O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

11.3.05

Olhos na Pele - Parte 1

Foi um fim-de-semana maravilhoso. Paulo, Murilo e Cadu acamparam na beira de um riozinho com uma pequena cascata, após encontrar a vila lotada. Fizeram longas caminhadas na mata e visitaram pelo menos dez cachoeiras. À noite, o cansaço encurtou as horas à beira da fogueira, bebendo catuaba e falando besteiras até pegar no sono.

O retorno foi complicado. Chegaram à vila muito tarde e o transporte para a cidade mais próxima já tinha partido. Arranjaram uma carona que não ajudou muito, pois, o último ônibus queimara a estrada quinze minutos antes de chegarem à rodoviária. Dali a duas horas um pinga-pinga (um destes que para em qualquer lugar) passaria por ali. Cadu lembrou aos amigos que estavam no meio do cerrado e que nas cinco horas da vinda só haviam passado em três ou quatro cidades, somando à exaustiva movimentação do dia e ao adiantado do relógio, nem mesmo notariam o incômodo.

Paulo sentou-se na 38, Cadu e Murilo, 44 e 45. O cansaço cobrou sua indulgência.

O ônibus diminuiu a velocidade. Para um número enorme de sofredores, aquela mínima variação no movimento faz acordar. Paulo abriu os olhos, a vista ainda enevoada contou três ou quatro entrarem no ônibus que, pelo que lembrava, estava lotado. Com os olhos entreabertos observou um sentar-se em um banco vazio e os outros acomodarem-se como podiam. A luz dos faróis em uma leve neblina transformava os novos passageiros em silhuetas. Um corpo feminino se aproximou e tomou o braço de sua cadeira como assento.

A natural raiva da perda do encosto foi trocada por uma sensação esquisita, aquele corpo cheirava bem, parecia bem feito, de perto dava para notar a perfeição da pele do braço, deliciosa. Um frio subiu do estômago à garganta. O quadril da moça estava encostado nele, era macio e, lentamente, Paulo puxou o ombro para cima. Sentiu a textura do tecido do vestido que, naquele momento, sua cabeça imaginava ser lindo. Desceu o braço lentamente, num movimento longo o bastante para fazer-se notar e discreto o bastante para não afastar a moça.

Paulo fechou os olhos, não importava muito, pois, naquela escuridão não fazia diferença, é que quando usamos a imaginação, temos o hábito de tentar burlar a visão. Girou o pulso e encostou os dedos no braço da cadeira. Esticou a palma da mão lentamente tentando esbarrar na perna da moça, até que a ponta do indicador encontrou o que procurava. Sua excitação declarara guerra à consciência, seu instinto esmurrava a razão. Andou meio centímetro com o dedo, o bastante para cartografar mentalmente a maravilhosa textura da pele embaixo do curto vestido.

Continua...