O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

23.8.04

A Mais Rápida

Meu nome é Yuliya Nesterenko, sou da Bielorússia e corro os 100 metros rasos. Cheguei aqui em Atenas dia 12, era véspera da abertura e a vila olímpica parecia uma grande festa, todos se cumprimentavam e sorriam. Eu, por alguns instantes, tirei o peso que levo em minhas costas.

O esporte no meu país é levado muito a sério, mas, depois do desmembramento da União Soviética ficamos com dificuldades econômicas e o governo reduziu muito o investimento. A vida de um atleta de ponta são as competições internacionais, com viagens, alimentação especial e tênis, um por corrida, por isso, tenho que ser a melhor para poder continuar a trabalhar.

Sei que tenho chances de medalha, meus tempos foram os melhores, mas tenho alguns milésimos de segundo a menos que a americana Lauryn Williams e carrego duas olimpíadas no meu currículo, meus 34 anos pesam nos últimos metros.

As americanas têm tudo do melhor, até as palmilhas são especiais. O investimento nelas é altíssimo. Ninguém comenta aqui, mas, todos sabem o que acontece lá, o treinador da equipe de atletismo, o Trevor Graham, foi, até 2001, sócio do Balco (laboratório que fabricava o esteróide THG).

Eu tenho que confessar que fiquei contente com a eliminação da americana Torri Edwards. Aqui, em Atenas, o mundo todo acompanha os testes anti-doping. Ninguém sabe como eram feitos nas outras competições internacionais, ou quanto custava para as confederações esconder os resulados. Os norte-americanos só foram declarar doping dos atletas quando viram que o COI iria pegar pesado. É o mesmo caso da Ekaterini Thanou, a grega, ela era um símbolo nacional, quando viu a pressão do COI desistiu de competir.

Não vou mentir, em algum momento da carreira você acaba caindo na tentação. Nós, atletas de ponta, somos o tempo todo seduzidos pelos laboratórios que juram que essa ou aquela droga ainda não está na lista do COI, foi assim que os americanos se deram mal. Não dá para negar que a estrutura que eles têm cria fenômenos, mas, que a usem de forma legal.

Eu fiz o meu melhor, se tivesse a experiência que tenho hoje, com certeza teria sido o orgulho do meu país no últimos treze anos. Os que me assistem, que torcem por mim, sabem muito pouco do tanto que sofro. Para se ter uma vaga idéia do esforço físico: raramente meu corpo entra em estado de menstruação, é o custo por querer ser a melhor.

Hoje é o grande dia. São 10 horas da manhã aqui em Atenas e daqui a uma hora estarei ao lado das sete melhores corredoras do mundo. Tem uma jamaicana que está me preocupando e a Lauryn Williams tem a pressão de 20 anos de supremacia norte-americana para defender.

Agora elas vão sair da minha cabeça lentamente. Agora a chegada está aparecendo lá na frente. Vou me imaginar feliz e lá do outro lado...

O resultado