O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

15.7.04

Entre

Paulo adorava seu avô. Era um cara engraçado e, diga-se de passagem, muito inteligente para sua idade, afinal de contas, os avós de seus amigos não usavam caixa-eletrônico, não tinham celular... Seu avô, não! o velhinho tirava dinheiro sozinho no banco e sabia ao menos teclar os números no aparelho antigo que a mãe de Paulo havia lhe dado em um Natal, na verdade, somente para controlar o pobre ancião.

Uma antiga e tola curiosidade estava prestes a ser desvendada. Seu avô, como em todas as tardes nos últimos anos (naturalmente, só foram notar quando uma gripe o impediu de ir) saiu sem avisar, sem dizer para onde ia. Paulo, que estava no portão, resolveu segui-lo. Sentia sempre essa culpa por não dar atenção o bastante para esse homem fora do seu tempo, que o amava tão gratuitamente, que se mostrava tão agradecido por cada desagradável sacudida que recebia dele pelo menos três vezes ao dia, para demonstrar que notava sua presença.

Seu avô entrou em uma ruazinha, trocou de calçada, cumprimentou cada um que encontrou. Olhando por trás, parecia que aquela rua o rejuvenescia, ele balançava os ombros, sacudia os braços e parecia dançar. Do começo da rua, Paulo observou seu avô entrar em uma porta.

A ruazinha era modesta: calçamento antigo, o cimento das calçadas rachado, as casas de pintura antiga e as pessoas, velhos. O que seria aquilo? O que havia naquela porta que deixara seu avô tão feliz? Uma namorada! Com certeza, seu avô estava amando. Daí a pouco outro velhinho serelepe entrou. Uma casa de meretrício! É, caixa-eletrônico, celular, viagra, seu avô, definitivamente, era um homem moderno. Uma velhinha de bengala entrou e com ela todas as certezas de Paulo. O que era aquilo? Talvez, com os passos mais rápidos que a ruazinha viu no dia, ele se aproximou da porta. Tinha uma placa: pintada a mão, com letra corrida e um acabamento maravilhoso. O que estava escrito? Entre.

As certezas que entraram com a velhinha se transformaram em ferozes dúvidas e pularam no pescoço dele assim que ele se aproximou. O que era aquilo? O que quer dizer “Entre”? Deveria ser: “lugar só para velhos felizes”, ou: “faça silêncio, velhos descansando”, ou, no mínimo: “bata antes de entrar”, afinal, só velhos tinham entrado. A curiosidade transbordou.

Paulo entrou lentamente, os olhos quase pulando das órbitas, o pescoço esticado fez sua cabeça entrar primeiro. Dentro, em uma roda de umas vinte cadeiras, doze velhinhos conversavam. O avô de Paulo o notou e, em um admirável pulo, foi ao encontro do neto. Gritou para os amigos: ”Gente, esse é meu neto!”.
– O que é isso, vô?
– Aqui, Paulinho, ninguém chama a gente de burro por não saber usar o computador, nem acham engraçado quando queremos sonhar com futuro. Todo mundo escuta e nunca reclamam que a gente tá repetindo as histórias. Como ninguém tem paciência para ensinar, estudamos juntos como usar o caixa-eletrônico, o celular e todos esses aparelhos que têm surgido nos últimos anos.

Para meu avô que nunca vai ler este post