O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

31.8.04

Disfarce

Ela passou de um lado para outro da rodoviária várias vezes. Usava uma calça jeans maior que o seu tamanho com a barra dobrada, suja ou velha, não dava para saber, uma camisa social – velha – amarrada na cintura, sobre uma camiseta branca, um cinto enorme, uma bolça branca com as bordas de plástico preto rachado pelo tempo, um pedaço de pano – velho – amarrado no cabelo, com o nó para cima, formando uma espécie de tiara. É difícil dizer se era bonita, tinha as marcas da falta de cuidado, se assim se pode dizer de uma pessoa com tantos apetrechos estéticos: magra, cabelos cortados mas estragados, pele manchada e mãos grossas.

Passou uma vez e a única coisa que se notava era o passo rápido, o olhar sério e uma ponta de cigarro segurada com as pontas dos dedos. Na segunda os detalhes foram aparecendo, o conjunto estético era único, mesmo na rodoviária, onde classes e tribos se encontram fingindo estarem sós. Na terceira seu disfarce ficou frágil: Os passos rápidos não iam a lugar nenhum, a ponta acesa parecia nunca acabar.

Confundir-se com os outros sem ser notada a faz mais uma, a torna cidadã, o que, para ela, que já não é nada, deve ser um grade prazer.