O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

3.10.05

Cuidados Naturais

Odete e Dinalva estavam dando seus primeiros pulinhos nos grupos da "melhor idade". Os filhos de Dinalva ainda estavam se adaptando à idéia de imaginar a mãe no meio de todos aqueles velhinhos que, em sua visão, já não tinham mais idade para fazer coisas desconfortáveis socialmente, do tipo: namorar ou dançar por várias horas, em uma troca frenética de parceiros. Incomodava ver aquele sorriso matinal na mãe, uma viuva que a mais de 30 anos escondia a idade e que cresceram sem vê-la maquiada. Agora, trocava cores de batons com a neta adolescente.

Odete já não sofria a repressão dos filhos, ao contrário, esses só participavam de pouco de sua vida em aniversários e natais cada vez mais curtos. Havia aprendido a lastimar para as noras os compromissos familiares mais importantes que ela sem demonstrar seu sofrimento. O amor incondicional dos 4 netos era a última lembrança das deliciosas noitadas em família, antes do então moderno desquite de Nicanor, nos anos de 1970.

Em sua caminhada diária no parque da cidade, Dinalva falou para a amiga de umas viagens que os "rapazes" comentaram no clube social, o ponto de encontro dançante da melhor idade nas tardes de Sábado. Diziam que eram ótimas, que ficavam em hotéis bons, com passeios e guia já inclusos. Que havia uma estrutura própria para eles, e que os preços eram sempre acessíveis, por serem em baixa temporada.

Odete ficou animadíssima, disse que já havia recebido folhetos promocionais, mas que achou que a amiga não toparia ir, por causa dos filhos. Saindo dali, foram procurar a agência de viagens.

Quando chegou em casa, Dinalva ligou para os filhos e contou a novidade. Foi um drama. Uma enxurrada de sermões desabou em seu ouvido. Como não podiam proibi-la, a filha mais velha sugeriu aos irmãos que comprassem um telefone celular para manter a mãe sob vigilância, que, prudentemente, eles chamavam de cuidados naturais.

Holambra é linda! A cidade parece ter sido feita para jovens senhoras. Já na chegada, vê-se, nos vidrões do luxuoso ônibus, plantações e mais plantações de rosas. É toda cravejada de jardins de tulipas, hortênsias e todo tipo de flor de todas as cores. Maravilhadas, as duas nem conversavam. O belíssimo hotel ficava em um pequeno monte, seus quartos eram no andar superior. Um pequeno elevador dispensava o esforço físico dos felizardos hóspedes. Era tudo perfeito.

Já no quarto, Dinalva lembrou de ligar para a filha, para dizer que estava bem e contar as novidades. Outro sermão a esperava. Onde já se viu desligar o celular? Era para ficar com ele ligado o tempo todo. Sem contar para a filha, abriu a mala e pegou o dito cujo, notou que havia escrito "5 ligações não atendidas", mas, só havia aprendido a apertar o botão verde para receber o telefonema. Passearam um pouco, jataram e foram dormir.

No primeiro passeio, quando estavam em uma enorme estufa de orquídeas, Dinalva levou a mão ao peito e disse:
- Acode aqui, Odete, que eu tô sentido umas coisas!

A amiga correu para ajudar Dinalva que já estava sentada no chão.

- Liga para minha filha e avisa. O telefone está aqui bolso da camisa.

Quando Odete pegou o celular, disse:
- Agora sou eu que estou sentindo um tremor nas mãos.

- Aperta o botãozinho verde, é com ele que fala com minha filha, avisa pra ela antes de você cair.

Ao apertar o botãozinho, escutou a filha da amiga gritando:
- Mãe, achei que a senhora não iria atender. A senhora tem que desligar o vibracall, se não, não escuta o telefone chamar.