O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

15.10.05

Ciclo da Vida - por FalecomDeus

Desci para a pracinha para pensar sobre a Vida, suas necessidades e consequências. O pessoal lá em cima tava pensando em rever alguns conceitos sobre a Vida e Morte e me pediram algumas opiniões. Como o dia estava ensolarado e tranquilo, nada melhor do que ver o velhinhos jogarem dominó na praça…
Em um dos banquinhos tinha uma menininha com uma gaiola no colo. Um olhar triste e um hamster morto na gaiola. Me compadeci da coitadinha e fui lá.

_ oi. O que aconteceu?
_ Meu hamster morreu…
_ hum… E como ele se chamava?
_ Timão. Como o espetadinho do ‘Rei Leão’.

Aquilo parecia grego para mim. Aliás, grego não, que grego eu entendo… Enfim, não entendi nada. Mas fiquei ali, sentado ao lado da menininha olhando aquela bolinha de pêlos malhada, inerte no meio de um monte de raspas de madeira.

_ O senhor sabe como é a Morte?
_ sei.
_ Como é estar morto?
_ tá vendo tudo aqui à sua volta? Inclusive as coisas que estão aqui e você não pode ver como, por exemplo, a falta que você sente do Timão?
_ Sim.
_ a morte é o contrário de tudo isso.

Ela abanou a cabeça inúmeras vezes, até que disparou.

_ A morte é como o espaço? É escuro e não tem nada?
_ não. Mesmo o escuro e o nada são conceitos. A morte é a ausência absoluta de qualquer coisa.

Ela abanou a cabeça.

_ Eu não entendi.
_ não se preocupe, esse é ponto que a grande maioria das pessoas não consegue entender mesmo.
_ O senhor acha que ele vai viver de novo?
_ essa é uma pergunta que não faz sentido, minha filha.

Ela continuou a abanar a cabeça.

_ Eu não queria que ele morresse.
_ Morrer é uma parte da vida.

Mais abanos de cabeça. E uma lágrima.

_ Eu acho que entendi. Mas é muito triste. Não para o Timão, já que para ele não faz diferença. Mas para mim… Eu não queria que ele morresse.
_ Minha filha, na vida a gente tem que aprender a abrir mão de certas coisas. Tem coisas que não temos o controle e podemos apenas respeitar. A morte é uma delas. O Timão se foi, mas as boas lembranças que você tem dele ainda permanecem por aqui, na sua Vida.

Mais abanos. E um sorriso.

_ Eu gostava do Timão.
_ e ele de você. Mas a decisão de ficar ou partir não pertencia à ele. É o Ciclo da Vida.
_ Como no ‘Rei Leão’?
_ é... como no ‘Rei Leão’...
_ Mas, às vezes, eu fico com vontade de chorar.
_ chora. Chora o necessário. Nem muito, nem pouco. Apenas o suficiente. Mas depois, bola pra frente, minha amiguinha.

Um sorriso.

_ Eu entendi.
_ você quer que eu fique com o Timão agora?
_ Mas ele está morto…
_ eu sei. Mas eu posso cuidar dele agora.

Ela pensou um pouco e acabou por me entregar a gaiola. Nos conversamos mais um pouco e ela teve que ir embora, me deixando sozinho na praça com a bolinha de pêlo malhada. Olhei o coitadinho e lembrei da menininha.

_ ah, foda-se… Acordaí, Timão.

O bichinho levantou, começou a correr pelo gaiola, bebeu um pouco de água e foi para a rodinha dele.

***

No dia seguinte encontrei de novo a menininha.

_ Moço! Moço!
_ oi, minha amiguinha!
_ Olha só! Olha só! O porteiro achou um hamster igualzinho ao Timão! Tem as mesmas manchinhas e tudo!
_ nooooosa! que legal! E qual o nome que você deu pra ele?
_ Pumba!
_ que merda de nomes são esses que você dá para esse bichos?
_ Pumba é o amigo do Timão! Do ‘Rei Leão’!
_ ahhh… O ‘Rei Leão’...

Eu passei o resto da tarde com a menininha enquanto ela me explicava o ‘Rei Leão’ e toda a filosofia por detrás das aventuras do tal de Simba contra o malvado Mufasa.
Enfim, parece que esse tal de ‘Rei Leão’ consegue explicar muito mais coisas sobre a vida do que muitas pessoas conseguem supor… E eu preciso ver o ‘Rei Leão’...

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