O Boitatá

Crônicas e observações sobre o cotidiano.

19.5.05

Ch’i – A Força Indireta

Sun Tzu, guerreiro-filósofo chinês, escreveu "A Arte da Guerra" aproximadamente no século III a.C., princípios estratégicos como: vencer sem lutar; antes de vencer o outro, vencer a si próprio; entre outros, são utilizados como metáfora, onde o cotidiano das relações sociais é o campo de batalha. Ch'i quer dizer extraordinário, que surpreende, indireto, em minha copreensão livre, a capacidade de utilizar o improviso, de adaptar novas atitudes a uma situação previsível. Segundo o mestre Sun Tzu, uma força indestrutível.

Geralmente, numa batalha devem empregar-se as forças "cheng" (normais) para o entrechoque e as "ch’i" (extraordinárias ou indiretas) para vencer. Sucede que as possibilidades para aqueles que são peritos no uso de forças ch’i são tão infinitas como os céus e a terra, tão inesgotáveis como o fluir dos grandes rios. Porque acabam e recomeçam; são cíclicas como o mover do sol e da lua. Nascem e renascem; São periódicas como as estações, que se sucedem.

As notas musicais são apenas cinco, mas as melodias que com elas se podem compor são tantas que nunca as poderemos escutar todas. As cores primárias são cinco apenas, mas as suas combinações tantas que não se podem visualizar todas. Os sabores são apenas cinco, mas suas misturas tantas que de todas não se pode gostar. Em batalha há somente forças "cheng" e forças "ch’i", mas suas combinações não tem limites. Nenhum homem as abarca todas.

Porque tais forças se reproduzem entre si. A sua interação sem fim, como a de aros interligados. Quem poderá saber onde acaba um e o outro começa?
Trecho de "A Arte da Gerra" de Sun Tzu.

9.5.05

Todas - por Wilson Melo

Esse cara descreveu minhas expectativas românticas sem me conhecer, fala da amante perfeita, tão perfeita que a desejamos todas as noites, para sempre. Acho que é uma prova da teoria de que todos os homens são iguais. O lance da fila dupla, não concordo, mas, abrir a porta, realmente, é um prazer. Confiram:

Eu, que venho de uma aventura infinita, te procurei e te achei em tantos cantos da vida, rezei contigo nos bancos das igrejas, bebi contigo nas noites de tantos bares, dormi, contigo, na cama dos amantes, sorri e chorei por ti em tantas horas loucas, mas, tendo tanto quanto tive, ainda quero tudo: quero apenas ter, em ti, tudo que, em tantas, encontrei disperso.

Haverás de ser uma mulher que me incendeie de paixão, de forma tão avassaladora que dormir eu não possa, pelo desejo irrealizado das noites de tua ausência, mas, também, pela arrebatadora viagem, pela imensidão do corpo teu, cada vez que eu te tenha, inteira, por entre os braços meus.

Haverás de ser uma mulher que me saiba arranhar as costas, mas que me arranhe devagarinho, com muito zelo e carinho, que me marque, apenas por, no máximo, umas quatro horas, mas que saibas, sempre, ganhar meu coração.

Por outro lado, haverás de ser uma mulher cotidiana, que, por vezes, as mãos entrelaçadas, me levem ao cinema, e depois, ao jantar, ao pedires um vinho, seja de extremo bom tom curtires um pilequinho.

Quem sabe, haverás de querer dirigir meu carro, pelo prazer feminino de estacionar em fila dupla, só para me ouvir dizer: é, mulher não sabe dirigir, e que, por isso mesmo, me deixe sempre abrir-te as portas, do meu carro e do meu coração.

Talvez uma franjinha na testa te fique bem, quem sabe, até, teus cabelos te rocem os ombros, mas é fundamental que me deixes, sempre, desmanchar, com ternura e desajeito, esses cabelos teus.

Certamente haverás de ter uma cabeça boa, uma certa sensatez haverá de me fazer muito bem, mesmo que, por ti, me torne um insensato, e na minha insensatez me sinta um sábio, simplesmente por ter você.

Haverás de ser, contudo, uma mulher prática, que consigas, por exemplo, que eu enfrente supermercados, com coragem e com audácia, nas mãos uma lista tua, pois que, de comprar, não saberei quase nada, a não ser todas aquelas coisas que, para mim se pareçam você.

Nos fins de semana haverás de querer ir à praia, te entregarás ao Sol que, ardente de emoção, te abraçará, deixando, em teu corpo, as marcas de teu eventual biquíni, para que, todas as vezes em que estiveres nua, possa imaginar-te apenas seminua, pois que um certo recato se fará necessário, para que nos contrastes de tua pele morena, toda uma sensualidade seja despudoradamente tua.

Também é preciso que sejas uma mulher de muito falar, outras vezes, contudo, haverás de saber ficar quase muda, às vezes, quem sabe, até me deixarás em certa dúvida, mas, em cada instante teu, com certo jeito, me farás compreender, a vastidão imensa de todos os sonhos teus.

É certo, contudo, que outras mulheres virão.

Bem sabes, é-me difícil resistir tal tentação, por isso far-se-á necessário que demarques, de forma tão latifundiária as terras de teu corpo que, todas as vezes que, uma cobiçada cerca eu pular, caia, apenas, nas terras desses braços teus.

Haverás de ser aquela mulher inconstantemente constante que, mesmo sendo pontual saberás como fazer, que eu queira, sempre, esperar por ti.

Haverás de fazer que todos os dias sejam de chuva, para que brilhem, mais fortes, as luzes dos sorrisos teus, mas farás, também, que todos os dias sejam de Sol, para que eu me refresque à sombra dos agrados teus.

Haverás de fazer, enfim, meus olhos semicerrados nos olhos teus, meus braços aninhados, em torno dos braços teus, que eu diga sempre, como é maravilhoso que eu seja teu.

4.5.05

Com que Roupa?

Dia 4 de maio de 1937 a vida deu lugar à eternidade de Noel Rosa. Morreu de boemia, desmentido os jornais, que insistiam em dizer que tinha tuberculose, ferindo a reputação de um dos maiores sambistas que já passaram por essas terras.
Pra vocês, a versão de Noel do hino nacional:

Com que Roupa?

Eu hoje vou mudar minha conduta
Eu vou à luta, pois eu quero me aprumar
Vou tratar você na força bruta
Que é pra poder me reabilitar
Pois esta vida não está sopa
E eu pergunto, com que roupa, com que roupa eu vou
Ao samba que você me convidou?

Eu hoje estou pulando feito sapo
Pra ver se escapo dessa praga de urubu
Já estou coberto de farrapos, eu vou acabar ficando nu
Meu paletó virou estopa, e eu não sei mais com que roupa eu vou
Ao samba que você me convidou?

Seu português agora deu o fora, já foi-se embora
E levou seu capital
Esqueceu quem tanto amou outrora
Foi no Adamastor pra Portugal
Pra se casar com uma cachopa, e agora, com que roupa eu vou
Ao samba que você me convidou?

Agora eu não ando mais fagueiro,
Pois o dinheiro não é fácil de ganhar
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro
Não consigo ter nem pra gastar
Eu já corri de vento em popa, mas agora com que roupa eu vou
Ao samba que você me convidou?

Viva Noel Rosa